Em meio a conflitos ou desinteligências entre sócios, a decisão estratégica de retirada do sócio emerge como alternativa para assegurar a perenidade do negócio. Compreender os direitos e os prazos legais envolvidos na retirada do sócio é essencial para construir um futuro empresarial sólido e alinhado com os objetivos dos empreendedores.
• Introdução
• Retirada de sócio das sociedades limitadas
• Retirada de sócio das sociedades limitadas por prazo indeterminado
• Quais são os direitos do sócio que se retira da sociedade?
• Alteração do contrato social para refletir a retirada de sócio
Introdução
Nos negócios, a sinergia entre sócios é essencial, mas, por vezes, divergências podem surgir, desafiando a harmonia e a visão coletiva. Imagine um cenário em que um sócio, sedento por desafios, busca expandir horizontes e se depara com resistências ou falta de respaldo dos demais. Ou ainda, quando um dos sócios entende que suas contribuições são desproporcionalmente maiores, seja em tempo, recursos ou responsabilidades, sem a devida reciprocidade.
Essas situações, especialmente quando associadas a dificuldades financeiras, podem criar uma tempestade perfeita. A pressão aumenta, as decisões tornam-se controversas e o ambiente societário, outrora estável, entra em colapso. A falta de clareza nos contratos e acordos entre os sócios amplifica as divergências, criando um terreno fértil para desinteligências.
Ainda que os sócios não tenham negociado alternativas eficazes de solução de conflitos, o que poderia ser feito em um acordo de sócios, por exemplo, há uma luz no fim do túnel.
Nas sociedades limitadas constituídas por prazo indeterminado, uma alternativa é a retirada do sócio, que detém o direito potestativo, ou seja, que não depende da aprovação ou da concordância dos demais sócios, de retirar-se da sociedade, sem prejuízo do recebimento do valor equivalente a participação societária que tenha direito.
Essa flexibilidade oferece a liberdade necessária para seguir novos caminhos, desvinculando-se da sociedade quando necessário. Ocorre a extinção do vínculo social apenas em relação ao sócio que se retira e a sociedade permanece com os demais sócios.
Em um mundo empresarial dinâmico, entender essas nuances é de suma importância. Ao antecipar e gerir essas situações, os empresários podem moldar um futuro mais sólido e alinhado com seus objetivos.
Retirada de sócio das sociedades limitadas
De acordo com a regra aplicável de forma específica às sociedades limitadas, quando houver modificação do contrato social, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, o sócio que discordar poderá retirar-se da sociedade nos trinta dias subsequentes à reunião (art. 1.077 do Código Civil).
Em sintonia com a doutrina especializada[1], interpretamos que esta regra é aplicável de forma indistinta às sociedades limitadas constituídas por prazo determinado ou indeterminado de vigência.
Este direito de retirada do sócio (ou direito de recesso, que para a finalidade deste artigo utilizaremos como sinônimos) deverá ser exercido nos 30 dias seguintes da data da assembleia ou da reunião de sócios na qual foi tomada a decisão que o sócio discordou, sob pena de decadência do direito, ou seja, sob pena do sócio não poder exercer este direito ou reivindicá-lo.
Retirada de sócio das sociedades limitadas constituídas por prazo indeterminado
O direito de retirada do sócio encontra respaldo também na Constituição Federal, que assegura que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”[2] e pelo disposto no artigo 1.029 do Código Civil, que estabelece que “além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa.”
Embora o artigo 1.029 do Código Civil esteja situado entre as regras relativas às sociedades simples[3], consideramos que o disposto neste artigo é aplicável também às sociedades limitadas.
Em que pesem os argumentos em sentido contrário, o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo que “o direito de retirada imotivada de sócio de sociedade limitada por tempo indeterminado constitui direito potestativo à luz dos princípios da autonomia da vontade e da liberdade de associação”[4].
Em outras palavras, nas sociedades limitadas por prazo indeterminado, a qualquer tempo o sócio tem a capacidade de agir unilateralmente para retirar-se da sociedade, sem depender da aprovação ou da concordância dos demais sócios.
Entretanto, nas sociedades limitadas por prazo determinado, ou seja, quando o prazo de duração da sociedade foi definido no contrato social pelos sócios, para que o sócio se retire da sociedade será necessário demonstrar em juízo a ocorrência de uma justa causa, já que nesta hipótese o sócio se comprometeu a manter seu investimento na sociedade por um período determinado.
Quais são os direitos do sócio que se retira da sociedade?
Ainda que o sócio tenha optado por retirar-se da sociedade limitada ele terá direito ao recebimento dos haveres, que é o valor equivalente a participação societária que detiver na sociedade. Se o contrato social não estabelecer de forma diversa, o valor da participação societária será calculado com base na situação patrimonial da sociedade à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.[5]
Na retirada imotivada do sócio, considera-se a data da resolução da sociedade o sexagésimo dia seguinte ao recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio retirante[6]. É importante que esta notificação seja feita por escrito. E para afastar possíveis questionamentos quanto à validade jurídica, a notificação deverá ser endereçada aos demais sócios e a sociedade[7].
Em termos práticos, a data da resolução da sociedade é a data que o sócio irá se desvincular da sociedade. Até a data da resolução, integram o valor devido ao ex-sócio a participação nos lucros ou os juros sobre o capital próprio declarados pela sociedade e, se for o caso, a remuneração como administrador.[8]
Alteração do contrato social para refletir a retirada de sócio
É crucial para o sócio que se retira da sociedade certificar-se que a alteração do contrato social, que reflete a retirada do seu nome do quadro societário, foi averbada no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas ou na Junta Comercial, a depender da natureza jurídica da sociedade constituída, se sociedade simples ou empresária, respectivamente.
Isso porque o sócio que está se retirando continuará responsável pelas obrigações sociais anteriores até 2 anos após averbada a resolução da sociedade[9].
A definição do marco que encerra a responsabilidade pelas obrigações sociais do sócio que se retira da sociedade é especialmente útil para que este sócio não responda indefinidamente pelas obrigações sociais.
Isso inclui, mas não se limita, às hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica constituída, que poderá possibilitar aos credores da sociedade que alcancem o patrimônio pessoal dos sócios para quitação das dívidas da sociedade, o que não é incomum no meio empresarial, especialmente nos processos em que se discutem questões tributárias, trabalhistas ou que envolvam relações de consumo.
Decorrido o prazo de 10 dias do exercício do direito de retirada do sócio, se os demais sócios não tiverem efetuado a respectiva alteração do contrato social, o sócio retirante poderá propor ação judicial para que esta obrigação seja cumprida.[10]
Como regra geral, e não havendo disposições específicas em contrário no contrato social, a retirada do sócio das sociedades limitadas por prazo indeterminado pode ser esquematizada da seguinte forma:
Para resguardar a estabilidade financeira da sociedade e prevenir surpresas desagradáveis, é imprescindível que o contrato social seja meticulosamente redigido. Ao considerar a hipótese de retirada do sócio e, consequentemente, evitar a descapitalização abrupta da empresa com o pagamento total de seus haveres dentro de um prazo de 90 dias[11], um contrato social bem elaborado se torna uma salvaguarda essencial.
De modo geral, estabelecer cláusulas mais favoráveis no contrato social e/ou elaborar acordo de sócio não só protege os interesses da sociedade, mas contribui para a transparência e a harmonia nas relações entre os sócios.
[1] A sociedade limitada na perspectiva de sua dissolução. Sérgio Campinho, Mariana Pinto – São Paulo: SaraivaJur, 2022 p. 176
[2] Inciso XX, art. 5º da Constituição Federal de 1988.
[3] O art. 1.029 está situado na Seção V (Da Resolução da Sociedade em Relação a um Sócio), no Capítulo I (Da Sociedade Simples), no Título II (Da Sociedade), no Livro II (Do Direito de Empresa), na Parte Especial do Código Civil.
[4]REsp n. 1.403.947/MG, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 24/4/2018, DJe de 30/4/2018.
[5] Código Civil: Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.
§1º O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota.
§2ºA quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário.
[6] Código de Processo Civil: Art. 605. A data da resolução da sociedade será: (…)
II – na retirada imotivada, o sexagésimo dia seguinte ao do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio retirante; (…)
[7] Art. 1.029 do Código Civil e inciso II do art. 605 do Código de Processo Civil.
[8] Código de Processo Civil: Art. 608. Até a data da resolução, integram o valor devido ao ex-sócio, ao espólio ou aos sucessores a participação nos lucros ou os juros sobre o capital próprio declarados pela sociedade e, se for o caso, a remuneração como administrador.
[9] Código Civil: Art. 1.032. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação.
[10] Código de Processo Civil: Art. 600. A ação pode ser proposta: (…)
IV – pelo sócio que exerceu o direito de retirada ou recesso, se não tiver sido providenciada, pelos demais sócios, a alteração contratual consensual formalizando o desligamento, depois de transcorridos 10 (dez) dias do exercício do direito; (…)
[11] Código Civil: Art. 1.031 (…) § 2 o A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário.